O (PRÉ) CONCEITO DE IDADE MÉDIA
Se utilizássemos em uma conversa com homens medievais a expressão Idade Média, eles não teriam idéia do que isso poderia significar. Eles como todos os homens de todos os tempos históricos se viam vivendo na época contemporânea. De fato, falarmos em Idade Antiga ou Média representa uma rotulação, uma satisfação da necessidade de se dar nome aos momentos passados.
No caso do que chamamos de Idade Média, foi o século XVI que elaborou tal conceito. Ou melhor, tal preconceito, pois o termo expressava um desprezo indisfarçado pelos séculos localizados entre a Antiguidade Clássica e o próprio século XVI. Tudo que estivera entre estes dois picos de criatividade artístico-literário (do ponto de vista do século XVI) não passava de um hiato, de um intervalo vago. Logo, de um tempo intermediário, de uma Idade Média.
Era chamada de Idade Média, Idade das Trevas, Espessa noite Gótica, por ser vista como um período de barbárie, ignorância e superstição. Falava em "média tempestas", literalmente "tempo médio", mas também com o sentido figurado de flagelo e ruína.
A arte medieval por fugir dos padrões clássicos, também era vista como grosseira daí o grande pintor Rafael chamá-la degótica, termo então sinônimo de bárbara. Portanto, o sentido básico mantinha-se renascentista: a "Idade Média" teria sido uma interrupção no progresso humano, inaugurado pelos gregos e romanos e retomado pelos homens do século XVI.
Para o século XVII, os séculos medievais também eram vistos como de barbárie, ignorância e superstição. O século XVIII, antiaristocrático e anticlerical, acentuaram o menosprezo à Idade Média, vista como momento áureo da nobreza e do Clero.
A filosofia da época, chamada de Iluminista por se guiar pela luz da Razão, censurava, sobretudo a forte religiosidade medieval, o pouco apego da Idade Média a um estrito racionalismo e o peso político da Igreja então desfrutara.
Contudo com o Romantismo da primeira metade do século XIX, o preconceito em relação à Idade Média se inverteu. O ponto de partida fora a questão da identidade nacional, que ganhara forte significado com a Revolução Francesa. Estavam aí as raízes do Romantismo com a sua nostalgia por este período da história. Vista como época de fé, autoridade e tradição o período medieval oferecia um remédio à insegurança e aos problemas decorrentes de um culto exagerado ao cientificismo. Assim vista como momento de origens das nacionalidades ela satisfazia os novos sentimentos políticos do século XIX.
Mas a Idade Média dos românticos era tão preconceituosa quanto à dos renascentistas e dos iluministas. Para estes, teria sido uma época negra a ser esquecida na história. Para aqueles, um período esplêndido, um dos grandes momentos da trajetória humana, algo a ser imitado, prolongado. De qualquer forma, a Idade Média permanecia incompreendida. Aos preconceitos anteriores, juntava-se o da idealização, já antecipado por LESSING (1729/1781): "noite da Idade Média, que seja! Mas era uma noite resplandecente de estrelas".
Finalmente com o século XX se passou a tentar ver a Idade Média com os olhos dela própria, não com os daqueles que viveram noutro momento.
A função do historiador é compreender, não julgar o passado. Mas, enfim, que conceito tinha a Idade Média os próprios medievos? Questão difícil, pois enquanto o Clero oferecia várias respostas a partir de interpretações teológicas, o povo de maneira geral mantinha-se ainda preso a concepções antigas pré-cristãs (pagãs).
Simplificadamente, essa bipolarização quanto à história partia de duas visões distintas quanto ao tempo. A postura pagã, fortemente enraizada na psicologia coletiva, aceitava a existência de um tempo cíclico, daquilo que se chamou de "mito do eterno retorno".
Com o Cristianismo a história se torna linear: há um ponto de partida (gênese), um de inflexão (encarnação) e um de chegada (juízo final). Portanto, linear, mas não ao infinito, pois há um tempo que só Deus conhece limitando o desenrolar da passagem humana.
Colocando na confluência dessas três concepções (circular, tempo de Deus e linear), a sociedade medieval oscilava quanto à importância da quantificação do tempo. Como na Antiguidade o dia estava dividido em 12 horas e a noite também, independente da época do ano.
Por não terem uma precisão do tempo (como toda sociedade agrária, a medieval guiava-se pelo ritmo mais visível da natureza, o sol, a lua, as estações) os medievos não tinham um conceito claro sobre sua própria época. De maneira geral prevalecia o sentido de viverem em tempos modernos, devido à consciência que tinham do passado, dos tempos "Antigos", pré-cristãos. Estava sempre também a idéia de que se caminhava para o fim dos tempos, não muito distante.
Na verdade a psicologia medieval esteve constantemente preocupada com a proximidade do Apocalipse. Assim havia uma visão geral de pessimismo do presente, porém carregada de esperança com o triunfo do Reino de Deus. Nesse sentido, tal visão trazia em si a concepção de um tempo médio que precedia a Nova Era.
Em suma, num certo sentido a Idade Média estava tão interessada na história – seqüência dos fatos passados - quanto no fim dela – milenarismo.
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